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"A colina que subimos" tradução de Raquel Lima para o poema de Amanda Gorman


Aceitei o desafio da Casa Fernando Pessoa para traduzir o poema “The Hill We Climb” da poeta Amanda Gorman, lido pela própria durante a posse de Joe Biden como presidente dos EUA, no dia 20 de Janeiro.


À parte da minha desconfiança nesse potencial projeto de “restauração” da América e do mundo, acho este poema extremamente importante, porque acho a própria Amanda Gorman extremamente importante enquanto pessoa, poeta, feminista, antirracista… Durante a minha pesquisa fui conhecendo uma mulher maravilhosa e futurista, sensível, inteligente, super articulada e eloquente, com um sentido de humor magnífico, com respostas prontas e brilhantes para qualquer pergunta e, acima de tudo, muito confiante sobre a sua participação poético-política na sociedade.


Sobre a tradução, fiz o meu melhor, não sendo tradutora profissional, considerando ritmos, rimas, contornando masculinos universais, e tentando preservar a força da Amanda… Grata Margarida Ferra pelo convite, grata Luciana Moreira pela leitura e grata Amanda, por existires Podem ler abaixo ou diretamente no site da Casa Fernando Pessoa, espero que gostem

A COLINA QUE SUBIMOS


Quando amanhece, perguntamo-nos ‘onde encontrar luz nesta interminável sombra?’ A perda que carregamos, um mar para vadear. Enfrentámos a barriga da besta. Aprendemos que sossego nem sempre é paz, e as normas e noções do “justo” nem sempre são justiça. Porém, a aurora é nossa antes de sabermos. De alguma forma a fazemos. De alguma forma resistimos e testemunhamos uma nação que não está falida, mas simplesmente interrompida. Nós, os herdeiros de um país e de um tempo, onde uma miúda negra magricela descendente de escravizados e criada por uma mãe solteira pode sonhar em tornar-se presidente, e logo ver-se a declamar para um.

E sim, estamos longe da polidez, longe da limpidez, mas isso não significa que lutamos por uma união perfeita. Nós lutamos para forjar a nossa união com propósito. Compor um país comprometido com todas as culturas, cores, feitios e condições humanas. E assim não erguemos o nosso olhar para o que está entre nós, mas para o que está diante de nós. Fechamos o fosso porque colocar o nosso futuro em frente, implica antes colocar as nossas diferenças de lado. Baixarmos as armas para nos abraçarmos mutuamente. Não queremos magoar ninguém, mas harmonia para toda a gente. Deixemos o globo, se nada mais, dizer que isto é verdade: Que mesmo enquanto sofríamos, crescíamos. Que mesmo enquanto doía, tínhamos esperança. Que mesmo durante o cansaço, tentávamos. Que permaneceremos para sempre em união e vitória. Não porque nunca mais vamos conhecer a aniquilação, mas porque nunca mais vamos semear a divisão.

As escrituras sugerem que imaginemos que cada pessoa se poderá sentar debaixo da sua própria vinha e figueira e ninguém a conseguirá assustar. Se quisermos viver à altura do nosso tempo, então a vitória não residirá na lâmina, mas em todas as pontes que construímos. Essa é a promessa-clareira, a colina a subir, se assim ousarmos. Porque ser da América é mais do que um orgulho que herdamos. É o passado em que entramos e a forma como o reparamos. Nós vimos uma força que fragmentaria a nossa nação em vez de a compartilhar. Que destruiria o nosso país se isso significasse a democracia adiar. Esse esforço foi quase bem-sucedido. Mas se a democracia pode, periodicamente, ser adiada, ela nunca pode ser permanentemente derrotada. É nesta verdade e nesta fé que confiamos, porque enquanto olhamos para o futuro, a História está de olho em nós. Esta é a era da justa redenção. Temíamos isso desde a iniciação. Não tínhamos ainda a preparação para herdar tão aterradora hora, mas no seu seio, descobrimos o poder para escrever um novo capítulo, e para oferecer, a nós próprios, confiança e sorrisos. Assim, enquanto outrora perguntávamos ‘como é possível vencermos a catástrofe?’, agora anunciamos: ‘Como será possível a catástrofe vencer sobre nós?’

Não vamos marchar de regresso ao que foi, mas avançar para o que deve ser: Um país que está ferido, mas inteiro, benevolente, mas audaz, feroz e livre. Nós não vamos recuar ou ser interrompidos por intimidação, sabemos que a inação e inércia seriam o legado da próxima geração. As nossas falhas tornam-se os seus fardos. Mas uma coisa é certa: Se fundirmos bondade com força, e força com razão, então o amor torna-se a nossa herança e a mudança, um direito à nascença da criança.

Então deixemos para trás um país melhor do que aquele que nos deixaram. Com cada sopro do meu peito socado a bronze, nós elevaremos este mundo ferido a um mundo maravilhoso. Nós nos levantaremos das colinas douradas do Oeste. Nós nos levantaremos do nordeste varrido pelo vento, onde os nossos antepassados fizeram a primeira revolução. Nós nos levantaremos das cidades à beira dos lagos de Midwest. Nós nos levantaremos do Sul escaldado pelo sol. Nós vamos reconstruir, reconciliar e recuperar. Cada recanto conhecido da nossa nação, cada esquina a que chamamos país, o nosso povo, diverso e belo, irá emergir, flagelado e belo. Quando amanhece, nós saímos da sombra, ardentes e sem medo. Uma nova aurora floresce enquanto a libertamos. Porque há sempre luz, se tivermos coragem suficiente para a ver, se tivermos coragem suficiente para a ser.


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* Raquel Lima (Lisboa, 1983-) é poeta, performer, arte-educadora, licenciada em Estudos Artísticos e doutoranda em Estudos Pós-Coloniais. Tem apresentado o seu trabalho em vários países da Europa, América do Sul e África em eventos de literatura e performance, nomeadamente na FLIP, FLUP Rio, FOLIO e Palavras Andarilhas. Lançou, em Outubro de 2019, o seu primeiro livro e áudio-livro de poesia intitulado Ingenuidade Inocência Ignorância (BOCA e Animal Sentimental), à venda no Brasil no site da Terra Redonda Editora.

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