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Obcecado por dados, Aloysio Biondi remou contra a corrente na cobertura econômica

Repórter, editor e colunista da Folha, jornalista criticou governos militares e FHC


Por Ricardo Balthazar, 16/06/2021, na Folha


Foto de Jorge Araújo - 19.out.1984/Folhapress

Em 1967, quando a ditadura militar oferecia incentivos para acelerar a expansão da indústria, o jornalista Aloysio Biondi produziu uma reportagem sobre a degradação ambiental que acompanhava o progresso na região do Vale do Paraíba, assunto ao qual poucos davam atenção na época.


No início da década de 1980, uma recessão profunda anunciava um período prolongado de estagnação nos estertores do regime dos generais. Biondi detectou os primeiros sinais de recuperação antes de outros analistas e mostrou que o país sairia do poço da recessão antes do que eles imaginavam.


Nos anos 1990, quando o fim da hiperinflação e o avanço da globalização pareciam abrir caminho para um novo ciclo de desenvolvimento, o jornalista preferia apontar o outro lado da moeda —o crescente endividamento do setor público e os riscos da política de valorização do real em relação ao dólar.


Foi remando contra a corrente que Aloysio Biondi deixou sua marca no jornalismo e na cobertura de assuntos econômicos. Ele iniciou a carreira como revisor na antiga Folha da Manhã, em 1956, trabalhou em outros veículos e teve mais quatro passagens pela Folha, onde foi repórter, editor e colunista.


Nascido numa família de comerciantes do interior de São Paulo, o jovem Biondi mudou para a capital com a ideia de estudar geologia, mas desistiu após ser convencido por um tio a disputar um concurso aberto para uma vaga na Folha, como a jornalista Thais Sauaya contou no livro em que narrou sua trajetória.


Ele não fez faculdade de jornalismo nem estudou teoria econômica, mas era um leitor voraz e aprendeu o que pôde na prática. Trabalhando em revistas especializadas na década de 1960, tornou-se obcecado por estatísticas e passou a estudá-las com afinco para entender o que acontecia na economia.


Embora tivesse afinidade com o pensamento dos professores do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que fizeram do departamento um pólo de articulação dos opositores do regime militar, Biondi frustrou vários deles ao anunciar o fim da recessão do início dos anos 1980.


"Como todo mundo era contra a ditadura, achavam que ele tinha se vendido, mas sua previsão se mostrou correta", afirma o jornalista Lauro Veiga Filho, que trabalhou com Biondi na Folha e em outros veículos. "Ele não se prendia a dogmas e tirava suas conclusões em cima do que conseguia ver nos dados."


Até quem estava do outro lado o respeitava. "Sempre discordamos, mas era um analista competente", diz o ex-ministro Delfim Netto, hoje colunista da Folha. Biondi atribuía a Delfim pressões que teriam levado à sua demissão pelas revistas Visão e Veja nos anos 1960, mas o ex-ministro nega ter agido contra ele. "A última coisa que eu faria seria intervir nos seus empregos", afirma.



Na Folha, Biondi ajudou a formar profissionais que se destacaram na cobertura de economia, como o colunista Mauro Zafalon, que se especializou no setor agrícola. Biondi o contratou no início dos anos 1980 para montar um banco de dados estatísticos que chegou a reunir mais de uma centena de indicadores.


"Ele insistia muito para que fôssemos além das informações oficiais e aprofundássemos nossas análises buscando dados setoriais, que não recebiam tanta atenção como hoje", conta Eleonora de Lucena, que teve Biondi como editor no início da carreira na Folha e depois foi editora-executiva do jornal.


Numa época em que a internet ainda não existia e era difícil achar essas informações, Biondi devorava relatórios e acumulava pastas com recortes de jornais catalogados por assunto. O acervo do jornalista, doado pela família à Unicamp após sua morte, incluía 60 mil recortes, 3 mil livros e 3 mil revistas.


Chefe exigente, tinha fama de cabeça-dura. "Era uma enciclopédia, e por isso era difícil argumentar com ele", diz Oscar Pilagallo, que depois também editou a seção de economia. Era também um tipo gregário, que abria a casa para reuniões com a equipe e sentava ao piano com a filha Beatriz em noites de boemia.


Crítico do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Biondi dedicou às privatizações um livro que se tornou um sucesso de vendas no fim de sua carreira. Lançado em 1999 pela Fundação Perseu Abramo, centro de estudos ligado ao PT, "O Brasil Privatizado" teve mais de 150 mil exemplares vendidos.


Biondi deixou a Folha pouco depois do lançamento e no mesmo ano passou a dar aulas na Faculdade Cásper Libero. Trabalhava com o filho Antonio, também jornalista, para entregar um segundo volume que ampliaria a discussão sobre as privatizações quando morreu, de complicações decorrentes de um infarto.


Nascido em Caconde (SP), começou no jornalismo como revisor da Folha da Manhã e teve outras quatro passagens pela Folha, onde atuou como repórter e editor de economia e manteve uma coluna de 1992 a 1999. Foi editor das revistas Veja e Visão, dirigiu os jornais DCI e Shopping News e colaborou com vários outros veículos. O livro "O Brasil Privatizado" (Fundação Perseu Abramo, 1999) ganhou edição ampliada em 2014, publicada pela Geração Editorial. Seu acervo está disponível em www.aloysiobiondi.com.br.


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Aloysio Biondi teve seu percurso profissional retratado por Thais Sauaya no livro "Aloysio Biondi: resistência ética e grandeza no jornalismo" da Terra Redonda.

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