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"Tamoios - Genocídio em nome de Deus", um romance histórico com olhar tupi

Zeca Sampaio reconstroi o genocídio inaugural do Brasil.


Noite escura na praia, o fogo iluminava a silhueta do Tamoin, o ancião revivia um tempo esquecido, em uma cantilena entre cantos e murmúrios.

Contava uma história, várias histórias. Contava de tribos inimigas, de tribos irmãs, de uma existência na mata, na beira-mar, cheia de aventura, de caça, de piás crescendo, grandes pescarias.


Ao som daquelas palavras uma paisagem se forma sob meus olhos, uma vida. Vejo tudo, acompanho. Meus olhos decifram o indecifrável.

Aguço, vejo o saruê acuado pela caninana; quase posso sentir o fedor. Mais adiante dois tiês constroem seu ninho. Numa clareira do mangue, o socó cisma. Do outro lado, o jaguar espreita a capivara descuidada, a flor do caraguatá se abre, pau seco quebra e cai na água, siris se lambuzam na guaparaíba, riachos escorrem entre pedras, yacinas namoram, guanambis visitam manacás, a vida segue.

Por entre a bruma que se dissipa vejo a praia, a baía da Guanabara. Vejo a aldeia de Kairuçu.


Nas ocas agrupadas em torno da ocara, as gentes despertam. O burburinho de curumins, piás e mulheres anuncia o novo dia. Os homens aproveitam o que sobra da noite para sonhar as caças que farão, as batalhas em que mostrarão sua força. Vislumbram também os filhos que virão, as novas tabas que construirão. Inventam o futuro.


Vislumbro também o martírio de uma nação guerreira, seu aviltamento. A rápida queda de um povo orgulhoso, que outrora se espalhou por esta selva e se tornou senhor de Pindorama. Vejo o pequeno e o grande, o piá e o tamoin, a cunhã e o guerreiro. Avaetés, assombrados, desacreditados...


Percebo o nascimento de um novo mundo antes desconhecido.


No oco das senzalas pressinto o choro, o tormento. Nas manhãs de trabalho forçado revejo os espaços desembaraçados, as vontades desobstruídas. A terra é imensa. Praias e mangues, rios e árvores. O planalto infindo. Em todas as direções o verde da mata prossegue. Um nunca acabar de chão.


Mas agora, esse mundo em que tudo cabia, ficou pequeno.


Vejo luta. Disputa de posse. Vejo outra ocupação. Esta se espalha, se fixa, cresce.


Era a guerra!


Nos idos do século XVI, os tamoios, antigos da terra, se levantam contra a invasão da colonização e por sua ousadia são sacrificados.


Essa história é revisitada sob a perspectiva Tupi, por um brasileiro em busca de suas origens e identidade, em um romance que visita o mágico e o trágico, a alegria de ser gente da terra e a luta pela sobrevivência, bem como a traição.


O primeiro genocídio em terras brasileiras deixa sua marca da mesma forma que esta história riscada na areia da praia. As palavras somem, mas a herança dessa destruição permanece em nosso caminho de colonização.


Em algum lugar a corda tinha que se romper. O percurso estreito e interminável que havia sido traçado por aqueles estrangeiros tinha que bifurcar em algum ponto.


Nossos primeiros avós, tamoios, nos ensinando a romper os grilhões de um destino reiterado.

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